Silvio Andrade
Sem tirar os olhos do rio que lhe dá o peixe e o sustento, a ribeirinha Jorgina Guató, descendente dos índios canoeiros do Pantanal, sonha com uma nova Porto Esperança quando a estrada, a ser construída pelo Governo do Estado, ligar o centenário povoado com a rodovia BR-262, distante 11,2 km. Como nos tempos do trem, quando o lugar era o ponto final da ferrovia: muita fartura, dinheiro circulando, empregos e a presença mais constante do poder público.
“Meu filho, com essa estrada nossa Porto Esperança vai virar uma cidade”, diz uma das mais antigas moradoras daquelas barrancas do Rio Paraguai, aos 70 anos. “Sem acesso, depois que acabou o movimento do trem aqui, muita gente foi embora, muitos por desgosto ao ver um lugar se acabando. Eu estou viva porque Deus quis, sai daqui de barco enfartada num temporal pra buscar socorro em Corumbá. O rio era nosso único caminho até a cidade”, lembra.
Na cheia, que inunda a vila, os moradores se refugiam nos vagões abandonados pela concessionária da ferrovia. Fotos: Chico Ribeiro
Jorgina sonha mais alto, ao lado do marido, Sérgio Matos, 70, ex-peão de fazenda, carpinteiro e piloteiro: ampliar a pousada da família para receber os turistas. A ligação com a BR-262 será fundamental para reviver os tempos áureos e trazer prosperidade a um lugar de potencial turístico, onde um dos principais atrativos é a ponte ferroviária tombada como patrimônio nacional. Sua construção foi o marco da arquitetura moderna brasileira, na década de 1940.
Antiga estrada: área de inundação
“Porto Esperança terá sua redenção com a estrada e se tornará um grande centro econômico com o turismo e corredor de escoamento da pecuária pantaneira”, afirma o deputado Evander Vendramini, autor da proposta do acesso rodoviário na Assembleia Legislativa. Por sua iniciativa e do Ministério Público Federal, o SPU (Secretaria do Patrimônio da União) regularizou a questão fundiária no distrito, depois que uma empresa agropecuária tentou expulsar os moradores.
Destino consolidado
Pousada Arca de Noé tem estrutura para atender até 20 pessoas com acomodações simples: pesca esportiva com guia. Foto: Sílvio de Andrade
A facilidade de acesso o ano todo – a estrada terá aterros de três metros de altura para suportar as grandes cheias do Pantanal – vai proporcionar o desenvolvimento de uma região que ficou estagnada com a decadência da ferrovia Noroeste do Brasil. A comunidade tradicional (130 famílias), que hoje vive precariamente dependendo apenas da pesca, ganhará não apenas uma vida digna, mas visibilidade e inserção no território, distante apenas 80 km da cidade.
Estação construída em 1912: tempos de fartura
“A estrada, sem dúvidas, criará uma nova rota turística”, aposta o empresário Luiz Martins, dono de rede de hotéis e barcos-hotéis em Corumbá. “Vai viabilizar o roteiro para Forte Coimbra (distante 66 km pelo rio), encurta caminho. Muita gente quer conhecer o forte, mas a dificuldade é a logística, não conseguimos operar, é inviável”, diz. “Quem visitar a Estrada-Parque (Passo da Lontra, distante 70 km) terá uma nova opção de passeios, integrando natureza e história.”
Na construção de um novo cenário social e econômico, o turismo vai impulsionar a transformação de Porto Esperança. Para o diretor-presidente da Fundação de Turismo de MS, Bruno Wendling, a facilidade de acesso oportuniza o desenvolvimento atrelado a formatação de produtos e integração a um destino já consolidado, que é o Pantanal de Corumbá. “A
Dona Jorgina Guató: líder e empreendedora
região tem potencial, precisamos trabalhar a qualificação para melhorar as ofertas e serviços”, disse.
Resgate de um povo
Os moradores tem essa percepção clara. Natalina Mendes, líder da comunidade, quer acelerar a capacitação da mão-de-obra local com cursos de guias, hotelaria, atendimento e gastronomia. “Temos que estar preparados para receber os turistas, a estrada vai nos trazer prosperidade e o turismo será nossa fonte de renda”, comemora. A Fundação de Turismo do Estado já trabalha o segmento nos polos tradicionais ao longo do Rio Paraguai, na Serra do Amolar.
Moacir Lacerda é presidente da Memória do Pantanal Casa de Cultura: resgate da cidadania e da história de Porto Esperança
Construções simples, gente resistente. Foto: Sílvio de Andrade
Jorgina Guató e o marido Sérgio já são empreendedores na Porto Esperança isolada. Conseguiram montar a Pousada Arca de Noé, um casarão de madeira em palafitas na beira do rio, com 20 leitos, água tratada, ar condicionado e comida caseira. O distrito conta com muitos ranchos de pescadores, a maioria de outros estados, os quais podem se transformar em hospedaria. “Muita gente vai querer investir aqui, vai melhorar tudo”, diz a índia canoeira.
“A grande questão agora é promover o desenvolvimento sustentável, criar oportunidades para essas pessoas, resgatar a sua cidadania e sua história com emprego e renda, uma perspectiva de vida”, projeta o músico e engenheiro Moacir Lacerda, 70, filho de Porto Esperança e um dos fundadores do Grupo Acaba. “Somos um polo cultural e turístico que precisa de visibilidade. Essa gente resistente quer casa, mais saúde e educação para se fixar no lugar”, cobra.
Serviço
Contatos (Whatsapp) da Pousada Arca de Noé: 67 99814.4733/99926.9292
A entrada do acesso de 6 km a Porto Esperança pela antiga estrada, no sentido Miranda-Corumbá, fica a 3,6 km da ponte sobre o Rio Paraguai, trafegando pela BR-262. A estrada é intransitável quando chove. Informe-se na Agesul (67 99987.5217) sobre as condições de tráfego.