O Brasil convive com o surto da pandemia do novo Coronavírus Covid-19 desde março deste ano, em especial no Estado de Mato Grosso do Sul o pico da contaminação da doença parece estar mostrando o seu real cenário com a chegada do inverno, como previa diversos especialistas.
Uma das principais preocupações por parte das autoridades e especialistas em saúde, era que com o aumento de casos houvesse caos no setor em virtude de poucos leitos e aparelhos respiratórios necessários, o que está se revelando uma realidade principalmente nas grandes cidade brasileiras que registram um grande número de óbitos.
No entanto a chegada do pico da pandemia, também expôs outros déficits nas demandas do setor público, e o sistema prisional está sendo fortemente atingido com centenas de contaminados em presídios e delegacias onde os presos ficam custodiados.
Para quem vive em contato diário com estes presos como policiais penais, policiais civis e militares, outros profissionais de segurança pública e advogados criminalistas, a situação acendeu o alerta e uma medida tomada pelo Judiciário de Ponta Porã gerou uma mobilização de todos os envolvidos neste processo.
Ponta Porã município que faz fronteira com Pedro Juan Caballero, Paraguai, que possui Estabelecimento Penal Masculino e Feminino, um grupo de advogados criminalistas procurou a reportagem do Ponta Porã News, para expor as mazelas enfrentadas pelos profissionais na área jurídica em virtude da proibição de atender os presos e a demora na divulgação dos resultados de testes da Covid-19 realizados nos internos.
Segundo informou a Advogada Criminalista Tainá Carpes Ely, vem ocorrendo violação de direitos no presídio de Ponta Porã, resultando em cerceamento de defesa e outros direitos aos internos por determinação do Poder Judiciário que impediu a transferência de presos das delegacias para as unidades penais e colocou estes locais em quarentena impedindo visita deles aos seus clientes.
“Não há estrutura nas delegacias e nem na Unidade Prisional, que estão com as celas completamente lotadas, não há para onde leva-los. É caso sim de cerceamento de direito de defesa dos presos. Eles não estão tendo direito à ampla defesa, pois não há como ter contato com seus advogados”, explicou.
A criminalista lembrou ainda que não existe uma crítica à atuação das autoridades policiais ou da direção ou servidores do sistema penal, que estão fazendo o que podem dentro da estrutura que é oferecido a eles. Mas ela diz que o Estado está falhando na obrigação de garantir os direitos constitucionais dos presos e custodiados. “A nossa irresignação é em relação a atuação da Justiça em si, da análise do magistrado com relação aos pedidos de liberdade provisória, situação prisional, onde vários presos deveriam estar hoje respondendo processo em liberdade. Existe uma resolução do Conselho Nacional de Justiça, que foi criado exatamente para pandemia, que visa proteger o preso, a sociedade e evitar o caos penitenciário, contendo várias situações para revogar prisões daqueles que ainda não foram condenados e que não cometeram crimes violentos e isso não está sendo levado em conta. Existe uma morosidade na análise do pedido de liberdade provisória. Entendemos enquanto advogados hoje, que a interdição é uma medida adequada, mas paliativa. O que deveria acontecer é melhor analise por parte do Magistrado de casa situação. A maior parte da massa carcerária é de presos por tráfico de drogas e crime financeiro não violento e entendemos que o judiciário está tratando do assunto de forma equivocada e que muitos poderiam estar aguardando o julgamento em liberdade e não tendo a saúde colocada em risco em delegacia e cadeias superlotadas expostos a contaminação do Covid 19,”, ponderou ela. E entendemos enquanto
De acordo com Tainá Carpes, advogados buscam na verdade é que o magistrado haja efetivamente em seus processos, analisando de forma singular como deve ser analisados, levando em consideração a resolução do CNJ e a decisão do Supremo Tribunal Federal.
“É importante destacar que o que vem ocorrendo corriqueiramente é pedido do Habeas Corpus das Mães, que não está sendo respeitado apesar de decisões favoráveis em instâncias superiores. Já tivemos casos aqui na região de fronteira, que o juiz determinou que a criança fosse mandada para um abrigo, para não colocar a mãe em liberdade. Na minha concepção, isso é uma gritante violação de direitos, pois o HC das Mães visa proteger a criança, o bem maior jurídico”, salientou Tainá Carpes.
A situação também preocupa os delegados da Policia Civil de Ponta Porã. No último dia 10, um ofício foi encaminhado pela 1ª Delegacia da Polícia Civil de Ponta Porã, pedindo para juíza de Direito da 1ª Vara Criminal, providências em relação a superlotação e aos problemas causados pelos presos que estão custodiados naquela delegacia, aguardando transferência.
No documento a autoridade policial cita que é desumano a falta de condições de higiene e de sanidade daqueles que aguardam transferência e ou relocação. Eles permanecem sem banho de sol, não tem direito a visita e as celas precisam ser distribuídas por categorias (adolescentes, mulheres, acusados de crimes sexuais), restando apenas uma cela para presos masculinos encaminhados ao DP por mandados de prisão e prisões em flagrantes.
O oficio trata ainda da falta de servidores para vistoriar as celas e os riscos oferecidos nas eventuais transferências decorrentes da emergência sanitária vivida pela pandemia. O risco de contaminação é real e já aconteceu causando inclusive a morte de um policial civil vítima de coronavírus e que provavelmente ele se contaminou em serviço no contato com algum preso.
Segundo a delegada do 1º DP de Ponta Porã, Analu Lacerda Ferraz, para reportagem do Ponta Porã News, atualmente a delegacia está com 12 presos em um local onde deveriam permanecer apenas 4.
O oficio foi uma resposta a determinação da 1ª Vara Criminal, que proibiu a transferência de presos para a Unidade Penal Ricardo Brandão, depois que vários internos testaram positivo para o coronavírus e a superlotação do local que tem capacidade para 324 presos, mas que na semana passada abrigava cerca de 700.
“Fomos surpreendidos com a interdição do presídio que foi colocado em quarentena e isso trouxe problema para nossa delegacia que não comporta o atendimento normal. Não atendemos somente Ponta Porã mas também as cidades de Antonio João, Aral Moreira, Delegacia da Mulher e 2º DP. Assim todos são encaminhados para cá enquanto aguardam a transferência determinada pelo judiciário”, explicou a delegada Analu.
Ela lembrou ainda que ao interditar o presídio, o Poder Judiciário deveria ter apontado uma solução para evitar o problema da superlotação das celas a situação piora a cada dia que passa com a chegada de mais presos.
“Imagina no período maior de interdição, se tornará insustentável desumano e ficará gritante a violação de direitos, não somente os presos estarão com a integridade física e mental violada, mas os policiais também. Ponta Porã está há três meses em primeiro lugar nos índices estaduais de criminalidade e mesmo assim nossos policiais continuam trabalhando e resolvendo casos de homicídios, furtos, assaltos e crimes de toda a natureza, mas não sei até quando nossa estrutura e nossos profissionais vão suportar”, disse ela.
Restrições
Em relação as restrições das visitas tanto dos advogados e familiares dos presos, a delegada informou não ter condições de estrutura e pessoal para fazer revista de objetos a serem entregues aos internos.
“Por isso vedamos qualquer tipo de ingresso, alheios aqueles fornecidos pelo Estado. Assim como presídio, nós não temos condições de permitir visitas. Os advogados só serão atendidos durante os horários de expedientes, horário que tem policial na delegacia, para acompanhar e garantir a sua integridade, pois não temos salas adequadas para os atendimentos deles. Aos finais de semana só serão permitidas a presença dos advogados dos presos em flagrante. Vamos garantir em respeito aos profissionais que estão trabalhando e aos direitos dos presos que é uma garantia constitucional”, explicou Analu.