Sílvio de Andrade
Estudos realizados nas regiões de maior foco de incêndios florestais na Costa Oeste dos Estados Unidos, como Califórnia e Oregon, comprovam aquilo que o homem pantaneiro aprendeu na convivência com o Pantanal e cujo conceito pesquisadores e organizações ambientais tentam desqualificar por desconhecimento ou interesse ideológico: o pastoreio do gado é ferramenta essencial para reduzir o fogo em áreas de concentração de biomassa.
O uso da expressão “boi bombeiro” pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e pelos pantaneiros para argumentar que a presença do bovino é um dos meios para se evitar incêndios de grandes proporções, como ocorreram no ano passado no Pantanal, provocou reação dos ambientalistas na tentativa de desconstruir uma tese certificada também pela Embrapa Pantanal, nos anos de 1980. Agora, a confirmação científica vem do exterior.
Pesquisadores da Extensão Cooperativa da Universidade da Califórnia concluíram que a presença do gado contribui para eliminar material combustível nos campos, cuja técnica, sustentam, “deve ser expandida e aprimorada”. O pastoreio direcionado, concentrando o gado nas gramíneas para reduzir a quantidade de combustível herbáceo fino disponível para queima, é resultado de estudos realizados também pela Universidade do Estado de Idaho.
Estratégia simples e eficaz
O Rangeland Center da Faculdade de Recursos Naturais está conduzindo estudos de pastoreio direcionado em pastagens na área de Reynolds Creek, no condado de Owyhee (Idaho), enquanto na Califórnia o governo decidiu criar uma estratégia simples e de baixa tecnologia, “mas inquestionavelmente eficaz”, ante o volume de recursos (bilhões de dólares) consumidos anualmente para combater os incêndios: expandir o uso de pastagem por gado, ovelhas e cabras.
“O pastejo é um dos métodos de gerenciamento de combustível que realmente atingem o objetivo de remover o material em combustão de nossas paisagens”, afirma o governador californiano Gavin Newsom. Ele criou um fundo financeiro para estimular os fazendeiros ao uso dessa ferramenta econômica para o manejo da vegetação e que pode ser empregada em áreas onde outras medidas não são possíveis, informou o site “The Sacramento Bee”.
O resultado de pesquisas e a tomada de decisões governamentais nos estados norte-americanos para conter a devastação ambiental e econômica causada pelos incêndios florestais reforçam a tese do “boi bombeiro”, sustenta o presidente do Sindicato Rural de Corumbá, município com 1,9 milhão de cabeças de gado, Luciano Leite. “A comprovação científica fora do Brasil contrapõe a tentativa de lacração da função ecológica do boi”, disse.
Bovinos protegem Pantanal
Experimentos realizados pela Embrapa Pantanal, coordenados pelo ex-pesquisador da instituição Arnildo Pott, criador do termo “boi bombeiro”, são irrefutáveis: os bovinos ajudariam a combater o fogo se fossem deslocados para áreas onde a pecuária tem baixa atratividade e, por isso, acumula matéria seca e inflamável. “O que o boi não come, o fogo come”, diz Pott, para quem o conceito do “boi bombeiro” está sendo distorcido.
Estudo recente dos pesquisadores Urbano Gomes Abreu, da Embrapa Pantanal, e Luiz Orcírio Fialho de Oliveira, da Embrapa Gado de Corte, ainda não publicado, amplia o conhecimento sobre o tema em “Por que os bovinos protegem o Pantanal de incêndios”. Eles reafirmam que a presença do gado mantido de forma sustentável é muito importante para a redução do volume de massa vegetal no ambiente pantaneiro, visto sua dieta diversificada.
Os autores também apresentam evidências da relação entre o aumento da incidência de focos de calor associadas não apenas às questões climáticas severas, mas à redução do rebanho em Corumbá, município com 45% de seu território (65 mil km²) dentro do Pantanal. “Percebe-se que a redução do rebanho local, da ordem de 150 mil animais, pode levar a um acúmulo de mais de 1 milhão de toneladas de matéria seca, potencialmente incendiável”, apontam.
Ocupar áreas improdutivas
Para garantir maior controle dos incêndios, o Sindicato Rural de Corumbá cobra do governo uma política de incentivos para a repovoamento da extensa área do Pantanal não ocupada pela pecuária, representando um grande vazio sem a presença do boi e do homem. Também propõe arrendamento do pasto das unidades de conservação para a produção bovina, como já ocorre em alguns países, haja visto que os incêndios foram mais intensos nas reservas legais.
“Retirar o gado das RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural) criadas no Pantanal é um grande equívoco, resultando em grande incidência de queimadas devido a concentração de material combustível, como ocorreu no Sesc Pantanal, Parque Nacional e nas regiões do Rio Negro e da Serra do Amolar”, afirma o presidente da entidade, Luciano Leite. “Está comprovado, o gado cumpre sua função de pastoreio, caso contrário tudo vai virar incêndio.”
A posição do sindicato é respaldada pelo pesquisador Evaristo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial, segundo o qual o declínio da pecuária e a criação de reservas tem sido determinantes no aumento dos focos de calor no bioma. “Quando se retira o gado, como se retirou das RPPNs, a perda de áreas de apascentamento causa prejuízos econômicos e ambientais, o capim cresce e na hora que o fogo pega é um fogo muito intenso, incontrolável”, sustenta.