Cultura ainda incipiente no Brasil, o grão-de-bico, leguminosa rica em proteína, pode ser uma alternativa de uso em sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), inclusive por agricultores familiares e médios produtores rurais.
É o que mostrou o dia de campo realizado pela Embrapa e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) na Embrapa Hortaliças (DF) no dia 15 de julho, com participação de 180 pessoas, entre produtores rurais, técnicos, professores e estudantes.
No local do evento, uma área de 13,5 hectares que estava sem culturas, a Embrapa Cerrados (DF) e a Embrapa Hortaliças implantaram um sistema de ILPF com grão-de-bico. “Estamos apresentando uma alternativa de diversificação, principalmente para o período de safrinha”, afirma Warley Nascimento, chefe geral da Embrapa Hortaliças.
Práticas sustentáveis
O pesquisador Carlos Pacheco, da Embrapa Hortaliças, abordou, na primeira estação técnica, o Sistema Plantio Direto (SPD), que promove sequestro de carbono e aumento da resiliência dos cultivos, com melhoria da estrutura do solo e menor perda de água e nutrientes. Ele informou que foram iniciadas avaliações com o grão-de-bico na área com ILPF e em outra área com SPD.
“A ideia é trazer essa cultura, que está sendo inserida no país, já para o contexto de baixa emissão de carbono, tornando nossa agricultura mais competitiva e mais sustentável”, disse, lembrando que o SPD em hortaliças foi incluído em políticas de agricultura de baixa emissão de carbono.
Pacheco também apresentou o trabalho de elaboração da parte técnica do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) para o grão-de-bico realizado pela Embrapa.
O Zarc identifica, por decêndios (períodos de dez dias), as melhores épocas e plantio e os períodos de risco mais elevado para o plantio, informações que balizam a concessão de crédito e do seguro agrícolas.
“É uma poderosa ferramenta de gestão de risco. Queremos reduzir ao máximo os riscos de perda da cultura por fatores ambientais. A ideia é orientar tanto o produtor como o órgão financiador como o que vai fornecer o seguro sobre os riscos relevantes da atividade, como deficiência hídrica, a ocorrência de temperaturas muito baixas, chuva excessiva na colheita e durante o desenvolvimento da lavoura, granizo e vendaval, e doenças que podem ter alguma correlação com o clima”, explicou, citando, ainda, as variáveis climáticas, os tipos de solo e os fatores relativos à cultura consideradas na construção do ZARC. A primeira versão do ZARC para o grão-de-bico está disponível na página do Mapa, bem como no aplicativo ZARC Plantio Certo.
Na segunda estação técnica, o pesquisador Luiz Adriano Maia Cordeiro e o analista Luiz Carlos Balbino, ambos da Embrapa Cerrados, apresentaram o conceito, as modalidades e os benefícios dos sistemas de ILPF.
A integração lavoura-pecuária-floresta é uma estratégia de produção sustentável, que integra atividades agrícolas, pecuárias e/ou florestais realizadas numa mesma área em cultivo consorciado, em sucessão ou rotação de culturas, constituindo-se num único sistema.
São quatro modalidades possíveis de integração: lavoura-pecuária (ILP ou sistema agropastoril), pecuária-floresta (IPF ou sistema silvipastoril), lavoura-floresta (ILF ou sistema silviagrícola e SAFs) e lavoura-pecuária-floresta (ILPF ou sistema agrossilvipastoril).
A área onde foi realizado o dia de campo se encontra, no momento, na etapa silviagrícola, com a lavoura de grão-de-bico e as árvores de eucalipto.
Cordeiro explicou que as quatro modalidades se subdividem em inúmeros sistemas. “Há diversas espécies vegetais e animais e uma possibilidade imensa de diferentes arranjos e combinações com diferentes componentes, nas distintas regiões. “São várias possibilidades de sistema”, disse.
Entre os diversos benefícios dos sistemas de ILPF, o analista destacou a maior diversificação e intensificação do uso da área, com maior sustentabilidade; a otimização do uso do solo, com produção de grãos, carne, leite e madeira ou produtos não madeireiros como frutas; é economicamente viável e o corte da madeira proporciona renda extra; amortização dos custos de produção, com a lavoura e as árvores ajudando a custear a pecuária e a recuperação da pastagem; pasto de melhor qualidade e redução dos custos de suplementação alimentar dos animais na seca; as árvores (plantadas no sentido Leste-Oeste em áreas planas para reduzir o sombreamento ou seguindo as curvas de nível em locais com declividade) funcionam como quebra-ventos, diminuindo o ressecamento dos pastos e melhorando a dinâmica hídrica.
Além disso, há maior taxa de infiltração e armazenamento de água no solo; diminuição da pressão de desmatamento; mitigação da emissão de gases de efeito estufa com incremento do carbono do solo e sequestro de carbono pela biomassa; bem-estar animal e conforto térmico pela sombra das árvores; redução da erosão do solo devido à melhor cobertura vegetal; mitigação do déficit de forragem durante os estresses climáticos; maior ciclagem de nutrientes; efeito positivo na reprodução e produção animal, com aumento de ganho de peso e na produção de leite; e, aumento da liquidez e rentabilidade do produtor rural.
Para mais informações sobre os sistemas de ILPF, baixe gratuitamente o livro Integração lavoura-pecuária-floresta: o produtor pergunta, a Embrapa responde, da Coleção 500 Perguntas 500 Respostas.
Grão-de-bico é opção para a safrinha
O chefe geral da Embrapa Hortaliças, Warley Nascimento, falou sobre o potencial da cultura do grão-de-bico no Brasil na terceira estação técnica.
Ele comentou que a leguminosa é um produto versátil e tem sido bastante procurada, sendo comercializada geralmente na forma de grãos secos ou reidratado e, mais recentemente, em produtos plant based.
Entre os principais consumidores estão os veganos e os vegetarianos. “Em alguns locais na região de Brasília, uma embalagem de 500 g é comercializada a R$ 19. Então, estamos falando em R$ 38 o quilo”, afirmou.
Além do alto teor protéico, com destaque para o aminoácido triptofano, precursor da serotonina, neurotransmissor relacionado ao humor e bem-estar, o grão-de-bico é rico em fibras, antioxidantes e vitaminas.
Depois da soja, é a leguminosa mais consumida no mundo. O Brasil importou, em 2021, quase 12 mil toneladas (cerca de US$ 10 milhões), segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
O país consome o grão-de-bico do tipo kabuli (grãos maiores, de coloração creme), enquanto os mercados africano e asiático preferem o tipo desi (grãos menores e diferentes colorações), alvo de pesquisas do programa de melhoramento genético da Embrapa visando à exportação desse grão.
O grão-de-bico é uma opção para a safrinha (segunda safra) em sistema de sequeiro no Brasil central, devendo ser plantado de fevereiro a março.
Apresenta menor custo de produção por demandar menos aplicações de defensivos, e tem produtividade de cerca de 2 t/ha – em sistema irrigado, é possível alcançar até 3 t/ha. A cultura exige temperaturas amenas e clima mais seco, sendo bastante tolerante ao déficit hídrico.
“É uma cultura sustentável, tendo se adaptado bem no Brasil. Por ser uma cultura nova, com baixo potencial de inóculo e sementes de alta qualidade, as doenças que vemos na literatura científica e em outros países não ocorrem aqui”, disse Nascimento, acrescentando que ocorrem doenças de solo, que podem ser prevenidas com o tratamento das sementes, e pragas como Heliothis spp. e Helicoverpa spp.
Ele também apresentou informações sobre o plantio do grão-de-bico na área de ILPF, a condução da lavoura (controle de pragas e de plantas daninhas, cobertura nitrogenada e colheita) e produtividade.
A partir de ensaios realizados no Icarda, centro internacional de pesquisa agrícola em áreas secas, atualmente sediado no Líbano, a Embrapa Hortaliças disponibilizou algumas cultivares de grão-de-bico, como BRS Aleppo, BRS Toro e BRS Cristalino, de dupla aptidão (grãos podem ser consumidos secos ou reidratados), apresentado no dia de campo e, mais recentemente, a BRS Kalifa. Mais informações sobre a cultura estão no livro Hortaliças Leguminosas, que pode ser baixado gratuitamente.
Canal Rural*