Brasil ganha 1º banco genético de baunilhas

O Banco Genético da Embrapa, um dos cinco maiores repositórios do gênero do mundo, ganha sua primeira coleção de uma das espécies mais cobiçadas pela gastronomia: a baunilha. Mais de 70 acessos (amostras) de orquídeas do gênero Vanilla compõem o primeiro banco de germoplasma de baunilhas do Brasil e o único do mundo a reunir um volume significativo de espécies da América do Sul. A coleção permitirá benefícios importantes como apoiar o melhoramento genético ao fornecer genes de interesse agronômico; subsidiar a domesticação da baunilha no Brasil, cuja produção ainda é extrativista; e até auxiliar na preservação de suas espécies.

Apesar da sua importância, principalmente para o mercado gastronômico, a baunilha é encontrada em poucas coleções de germoplasma no mundo. As de maior destaque são as do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), instituição francesa que mantém 200 acessos de 30 espécies na Ilha da Reunião, e as coleções da Universidade da Califórnia, do Indian Institute of Spices Research (IISR) e a de alguns jardins botânicos.

O sabor mais popular do planeta

O aroma extraído das orquídeas Vanilla spp. é o mais popular e o mais largamente utilizado no mundo. A baunilha contém cerca de 300 compostos químicos, responsáveis por um aroma único e com uma grande variedade de usos. É utilizada em sorvetes, doces, produtos de panificação, bebidas e aromas alimentares e em cosméticos. Cerca de 97% da baunilha é usada para fragrâncias e aromas.

“A nossa coleção é inédita porque o Brasil possui inúmeras espécies silvestres do gênero Vanilla que nunca foram exploradas e que recentemente passaram a ter valor, podendo serem usadas não só no segmento da gastronomia como na indústria de cosméticos”, relata Roberto Vieira (à esquerda), pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, líder do projeto de pesquisa sobre as baunilhas do Brasil.

A relevância da coleção de germoplasma de baunilhas da Embrapa não se dá apenas pelas características interessantes do ponto de vista olfativo para uso gastronômico, mas também auxilia na busca por materiais resistentes a doenças.

“A baunilha sofre muito por problemas sanitários, como viroses e fungos. Do material genético coletado pela equipe do projeto também esperamos encontrar materiais com genes resistentes a essas doenças, especialmente Fusarium, que é um fungo muito crítico nas baunilhas”, ressalta o pesquisador, revelando que há várias perspectivas de uso desse banco, que vão desde estimular o pequeno produtor a obter produto de maior valor agregado até o estabelecimento de parcerias com empresas e indústrias interessadas no uso comercial da espécie.

Incentivo à produção de espécies nativas

A cadeia produtiva da baunilha no Brasil ainda não está estruturada e sua exploração depende de processos extrativistas para a comercialização dos frutos.

Boa parte do material técnico disponível está voltado para a Vanilla planifolia, espécie mexicana que é cultivada em todo o mundo. Segundo Vieira, para incentivar os produtores, que carecem de informação, a equipe tem realizado oficinas voltadas a levar conhecimento técnico e, ao mesmo tempo, reunir e conhecer o público que trabalha com a espécie.

Os pesquisadores do projeto já começaram a reunir dados com informações técnicas que vão suprir a lacuna que existe a respeito das espécies brasileiras. Eles vão disponibilizar, até o fim de 2022, uma cartilha com conteúdo que vai desde a produção de mudas até o processamento dos frutos da baunilha. “A expectativa é sair do modelo extrativista e passar para o cultivo”, observa o pesquisador da Embrapa.

Um dos desafios das Unidades da Embrapa envolvidas na pesquisa é a domesticação da cultura com o desenvolvimento de técnicas e protocolos de cultivo para a substituição do atual modelo extrativista que vigora no País. Com isso, os cientistas pretendem ajudar na inclusão das baunilhas nativas do Brasil no mercado, ampliando a sua oferta e oportunizando a agregação de valor a um produto local e o desenvolvimento das comunidades rurais produtoras dessa matéria-prima.

Os cientistas acreditam que as espécies locais têm características interessantes e diferenciadas se comparadas às existentes no mercado internacional e que, justamente por isso, reúnem condições de atender as exigências da alta gastronomia.

Onde estão as baunilhas do Brasil

Apesar de o gênero Vanilla ter uma ampla distribuição no território brasileiro, com ocorrência em todos os estados e Distrito Federal, três espécies são consideradas de valor econômico atual ou de uso potencial: a Vanilla bahiana, a V. chamissonis e e V. pompona.

A Vanilla bahiana aparece amplamente distribuída nas regiões Sudeste e Nordeste. A V. chamissonis apresenta ampla distribuição geográfica no Brasil, desde o extremo oriental até o extremo ocidental, estando presente nas cinco regiões do País. Já a V. pompona é conhecida atualmente nas regiões Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte.

Mercado

Atualmente, Madagascar é o maior produtor mundial de baunilha. Os tipos comumente encontrados são: Bourbon, baunilha Mexicana, baunilha do Taiti e baunilha do Oeste da Índia. Das variedades disponíveis no mercado, a de Madagascar é a mais utilizada, ocupando mais de 70% do mercado internacional, enquanto os tipos restantes são do Taiti e do México.

A demanda por esse produto é maior do que a oferta, provavelmente porque a produção dos principais fornecedores de matérias-primas, como Madagascar e Indonésia, apresenta uma redução de produtividade, em função de doenças e adversidades climáticas.

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Considerando que a propagação de baunilha é essencialmente vegetativa, por estaquia, a base genética nos países produtores é muito reduzida, expondo os cultivos a riscos biológicos e ambientais. O preço da baunilha curada é definido por empresas internacionais, e é, normalmente, semelhante ao preço em Madagascar.

Nos últimos três anos, essas empresas cobravam cerca de 50 dólares pelo quilo do produto. Em alguns casos, pequenas quantidades de favas gourmet foram vendidas a 80 dólares o quilo.

De Goiás, a baunilha brasileira alcança o mundo

Foi o chef dinamarquês Simon Lau, que vive em Brasília desde a década de 1990, que “descobriu” as baunilhas do Cerrado e as introduziu como ingrediente na alta gastronomia da região. Quando um vendedor ambulante bateu à porta de sua casa na cidade de Goiás, Lau comprou todas as favas que ele carregava em uma caixa de sapatos.

Enormes quando comparadas às favas comerciais (chegam a medir 25 centímetros), passaram a ser difundidas no meio gastronômico e foram levadas a um festival na Espanha pelo chef Alex Atala. A história é contada pela gastróloga e pesquisadora de baunilhas brasileiras, Cláudia Nasser.

“O potencial aromático e de sabor da especiaria brasileira está se difundindo pelo mundo da gastronomia”, afirma. Chefs conceituados já a incorporaram em suas receitas. Emiliana Azambuja criou o vinagrete de cajuzinho do Cerrado com azeite de baunilha. Já Humberto Marra a utiliza em um caramelo salgado servido sobre carne suína. O ingrediente também está sendo usado na fabricação de chocolates, kombuchas e outros produtos em pequena escala.

Na cidade de Goiás, elas estão por todo canto – no centro histórico, no pátio da igreja, na periferia e principalmente na zona rural, e ainda em jardins e quintais das casas na área urbana.

Lá, elas são utilizadas há mais de 200 anos por seus habitantes, principalmente com fins medicinais, para tratamento de tosse, inflamação de garganta e outras doenças do trato respiratório. Em seu livro de receita, a escritora Cora Coralina registrou o uso da baunilha desde o século 18.

A maior parte das favas de Goiás vem do extrativismo e as práticas de produção – colheita, cura e uso – seguem as técnicas adquiridas de seus antepassados. Na chamada El Dorado das Baunilhas, por Nasser, a cura da vagem – processo para liberar o aroma e o odor típicos da especiaria – é finalizada em mel, açúcar, álcool de cereais ou cachaça, já que seu uso é geralmente medicinal ou em doces.

Para que o ingrediente brasileiro ganhe espaço no mercado, a cura deve ser feita seguindo processos que permitam a venda da fava in natura, atendendo as exigências do mercado gastronômico. No entanto, a valorização do ingrediente tem levado a um extrativismo desordenado, o que pode causar um desequilíbrio na produção das plantas, adverte a gastróloga:

“Precisamos entender a formação da cadeia produtiva das baunilhas brasileiras para termos um processo sustentável e justo, que possa auxiliar na renda dos agricultores familiares. Hoje, uma fava de Goiás é vendida por R$ 20,00 e na Internet, encontramos por até R$ 180”.

O trabalho de coleta

Em quatro dias, pesquisadores percorreram áreas do estado de Goiás onde a baunilha é conhecida pela população. No município de Nova América, que já se chamou Baunilha, e em Itapirapuã, cerca de 30 mudas de diferentes espécies – Vanilla pompona, V. bahiana, V. chamissonis e uma ainda a ser identificada – foram coletadas e incorporadas ao primeiro banco de germoplasma da espécie, no Banco Genético da Embrapa.

“O objetivo das coletas é aumentar a diversidade genética dos acessos do banco de germoplasma e buscar materiais com características superiores de interesse para o projeto”, conta Fernando Rocha, pesquisador da Embrapa Cerrados que participou da atividade. A coleta foi realizada com a colaboração de pessoas da região, que conhecem os locais onde estão os remanescentes das espécies.

Em Nova América, a equipe, composta também pelos pesquisadores Marília Pappas e Wanderlei Lima e o técnico Ismael Silva Gomes, contou com a colaboração de Vera Lúcia Pimenta, descendente dos pioneiros da cidade na coleta dos materiais. Outras coletas serão realizadas ainda neste ano, em Mato Grosso, Bahia, Espírito Santo e Goiás.

O material, além de compor o banco genético, será utilizado em estudos sobre as espécies. Uma primeira remessa de mudas foi plantada em uma área nativa da Embrapa Cerrados. “A coleção de trabalho será formada pelas principais espécies com potencial comercial”, conta Rocha ao informar que o material será caracterizado, multiplicado e utilizado em experimentos para o desenvolvimento dos processos da cultura.

Em Brasília, o produtor rural Rubens Bartholo de Oliveira cura as favas de sua primeira safra. Com o uso de uma chocadeira elétrica, ele testa a melhor combinação de temperatura e umidade para que, ao fim do processo, suas baunilhas tenham uma ótima qualidade. Em sua propriedade, ele mantém dois telados, um deles já em plena produção das espécies pompona e bahiana, vindas do Cerrado goiano.

Entusiasta da cultura, interessou-se por seu cultivo quando ficou sabendo da repercussão da iguaria no mercado gastronômico. Para isso, estudou a planta, pesquisou sobre seu cultivo e a cura das favas e foi ao México fazer um curso no Centro Mexicano de Investigación em Vainilla (Cemivac).

No segundo telado, com paredes de substrato à base de casca de coco, Oliveira cultiva diferentes espécies vindas dos mais variados locais – planifolia e tahitensis, do Pará; pompona, de São Paulo, e bahiana, de Goiás, além de palmarum, chamissonis, cribbiana e calyculata. “Os frutos têm mais de duas centenas de compostos aromáticos – a vanilina é só um deles. Além de teores diferentes de vanilina, cada espécie tem uma combinação única de aromas”, explica Rocha.

Oliveira espera que suas plantas comecem a dar frutos para que possa identificar quais são as melhores para seu negócio. “Eu acredito que a cadeia de baunilha pode dar certo aqui na região,” aposta o produtor que em breve começará a comercializar favas de baunilha do Cerrado.

Canal Rural*