Apesar de ainda termos 83% do bioma pantaneiro preservado, com sua vegetação nativa composta por áreas campestres (alagáveis e não alagáveis), formação savânica e florestal, apenas 45% do planalto em seu entorno é de área natural, ou seja, o restante é pastagem e agricultura. Inúmeros estudos apontam que a perda do planalto, pela exposição do solo e suscetível a erosão, seja pela expansão agrícola e pecuária, que os esforços para mitigar os problemas, seja na adoção de técnicas de manejo do solo, não impede que toneladas de sedimentos sejam lançadas na planície pantaneira. Estes sedimentos estão reduzindo as áreas naturais da planície pantaneira, aumentando o interesse de muitos produtores em ampliar suas áreas de pastagens e, em alguns lugares, nota-se a expansão agrícola também. Esta expansão do agronegócio traz consigo técnicas rudimentares e não controladas do uso do fogo, aumentando ainda mais a desertificação da planície. Suspender o uso do fogo (julho a outubro) se apresenta como uma medida paliativa, perante a dimensão do problema.
Como uma tragédia anunciado, a maior planície inundável do planeta passa por uma nova e longa estiagem. Cientistas do MapBiomas alertam que em 1988 o total do campo alagado chegava a 5,8 milhões de hectares, em 2018 a área reduziu-se a pouco mais de 4 milhões de hectares; ou seja, uma redução de 29%. Em 2020, o campo alagado foi de 1,5 milhões de hectares. Enquanto isso, nossos rios estão sendo assoreados, baías e salinas secando, vazantes e corixos desaparecendo. A biodiversidade rompe seu ciclo de vida. Animais sobreviventes vagam em busca de água e alimento, em um solo seco e calcinado. Grande parte da vegetação perdeu seus maiores aliados – os polinizadores e dispersores de sementes. Estabeleceu-se a ruptura e ainda temos que lidar com os que negam a ciência.
Voluntários e moradores ribeirinhos dividem o pouco que se tem. Os heróicos brigadistas combatem os focos de incêndios, que se multiplicam exponencialmente, tornando-se um trabalho que não produz o efeito pretendido, dentro da imensidão do Pantanal. A chuva tenta restabelecer o ciclo, mas sabemos que não chegará com a intensidade necessária. Alguns esperam a ajuda prometida por parlamentares e gestores públicos, outros não esperam nada e deixam para trás um Pantanal em chamas.
Como dizia um velho pantaneiro em 1986 em sessão pública: “o Pantanal está entupido de projetos”. Nos últimos 40 anos produziram-se centenas de diagnósticos e estudos científicos, foram aplicados consideráveis volumes financeiros em projetos de levantamento de dados que se encontram engavetados, e formou-se um vasto capital humano, que aos poucos deixa a região em busca de oportunidades.
Na busca de soluções, não saímos do campo das idéias. Toda e qualquer medida de proteção que se aventa sob a planície divide opiniões, saudosistas e apaixonadas, soberbas e conflituosas, institucionais e ou pessoais. Por não aprendermos a construir consensos, perdemos oportunidades únicas de proteger milhões de hectares e a mais rica biodiversidade do planeta. Não sabemos lidar com o problema e assumir, que a responsabilidade é de todos.
Mais uma vez buscam-se os culpados, tornando-se uma medida inócua. Temos que aprender a propor soluções inteligentes, independente dos interesses – que precisam ser equalizados em prol da conservação. Sabemos que esta narrativa é uma “caixinha de pandora” sobrando perguntas, faltando respostas. Aí se encontra a gravidade destas constatações que as alternativas não funcionarão sem a participação de todos.
Há uma discussão a ser feita quanto a uma nova política de meio ambiente para o Pantanal e seu entorno. Continuaremos com a Política de Comando e Controle, ou optaremos por uma Política de Estímulo de Mercado? Independente da opção, a Constituição Federal já indica que o interesse ambiental sobrepõe o interesse econômico. E por não haver consenso quando a este dispositivo constitucional, os processos administrativos e judiciais se acumulam e se arrastam nas respectivas instâncias, retardando ainda mais o desenvolvimento local e a proteção da natureza.
Independente da opção, o Pantanal e seu entorno merecem uma legislação própria, que a chamaríamos de “LEI DE RESPONSABILIDADE AMBIENTAL”. Se a política for de comando e controle, esta legislação deve regulamentar a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9605/98), tornando-se mais restritiva que a legislação federal e que garanta segurança jurídica para os atores locais. Se a opção for implantar uma política de estímulo de mercado, precisaremos que se inclua o fomento de atividades sustentáveis e até mecanismos que combatam a informalidade do mercado, garantindo a geração de trabalho e renda. A informalidade, nos diferentes segmentos econômicos no Pantanal é o câncer que impede o crescimento econômico da região, estabelecendo castas sociais seculares. A sazonalidade econômica não gera empregos formais e quando há recomposição de vagas, acabam sendo recolocados de forma precária comparado ao período anterior. Infelizmente, as previsões são de um crescimento econômico cada vez menor, seja para um produtor de commodities, seja para um simples pescador ribeirinho. Não podemos desconsiderar também que os salários baixos na região não atraem qualificados, o que faz com que ocorra a migração dos mais capacitados para outras regiões.
O Pantanal precisa de um futuro diferente. Que nossos legisladores e gestores públicos saibam escolher as prioridades para o bem comum. Precisamos de matérias propositivas, que possam operacionalizar a integração das iniciativas em curso, que ainda se encontram isoladas, desconectadas e sem recursos. Que recursos públicos sejam prospectados e destinados às instituições públicas, comprometidas com a conservação deste frágil bioma pantaneiro. Que seja garantida a participação das organizações não governamentais, mas que não dependam de recursos públicos para seus projetos. Precisamos melhorar os mecanismos de respostas às emergências, investindo nas ações preventivas. Precisamos de um marco legal, produzido a partir dos fatos que se apresentam e, que possa suprir os vazios na legislação. Precisamos de um Plano Estratégico Integrado para o Pantanal real.
Um futuro diferente não pode ser construído por pessoas indiferentes. Que façamos a nossa parte.
Thomaz Lipparelli, Biólogo PHD em Zoologia, PPG/UNESP Rio Claro, ex-superintendente de Pesca e Recursos Hídricos de Mato Grosso do Sul